quarta-feira, 22 de julho de 2009

IMPEDIDO DE ...


CAUSAS LEGAIS DE SUSPEIÇÃO DE INSTRUTOR DE PROCESSO DISCIPLINAR


Nos últimos dois dias a comunicação social tem difundido enfatizadamente o pedido dirigido pelo magistrado do Ministério Público que preside ao Eurojust ao Procurador Geral da República, com vista a afastar da instrução do processo disciplinar que lhe foi movido e substitui-lo por um outro instrutor, por suspeição de falta de imparcialidade.
Esta é a voz corrente entre os meios de comunicação social, que igualmente divulgou que o processo disciplinar em causa visa esclarecer e, no caso responsabilizar, o referido Magistrado, por ter alegadamente “pressionado” colegas que investigam o designado “Caso Freeport”, em vista a influenciar a investigação e consequentemente a decisão do dito processo em determinado sentido.

Nos termos do art. 193º nº 1 do Estatuto do Ministério Público “ o processo disciplinar é de natureza confidencial até decisão final”, com trânsito em julgado, a meu entender.
Presumindo-se inocente o arguido até prova em contrário.

Não vamos por isso falar deste caso, até porque se tem a convicção que o pior dos males é a ausência de serenidade, provocada a quem tem a função de decidir, pela polémica estéril posto que ainda não esclarecida com todos os dados, do ruído das “vozes das comadres”, situação em que não poucas vezes infelizmente se coloca até a Imprensa mais respeitada a propósito de temas vários neste País.

Isso não impede que fossemos levados a reflectir sobre as causas legais que em abstracto permitem a um arguido em processo disciplinar e, já agora, que tão apetecível se mostra ao público, o funcionamento das Instituições de Justiça e designadamente o Ministério Público, a quem incumbe assegurar a investigação criminal, ponderar se tais causas são aqui também aplicáveis e em que termos.

Ora nesta matéria, o Estatuto do Ministério Público, no seu artigo 192º, sob a epígrafe “Impedimentos e suspeições” dispõe o seguinte:” É aplicável ao processo disciplinar, com as necessárias adaptações, o regime de impedimentos e recusas em processo penal”.

Por sua vez, dispõe ainda que “Em tudo o que não for contrário à presente lei, é subsidiariamente aplicável o disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, no Código Penal e no Código de Processo Penal. (art. 216º do Estatuto do Ministério Público.

Quer isto dizer que não existe uma norma própria estatutária, pelo que para ajuizar da questão se impõe aplicar a lei geral.
E que diz esta?
Desde logo importa assegurar que a própria nomeação do instrutor nomeado para qualquer processo oferece garantias de uma avaliação objectiva, ponderada, imparcial e justa do que quer que seja submetido ao seu julgamento.

As regras para a nomeação de instrutor de processo disciplinar mostram-se previstas no art. 42º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exerçam Funções Públicas (Lei nº 58/2008 de 09 de Setembro).
Já para os Magistrados em causa, a nomeação ocorre, ao que suponho, por sorteio, realizado entre os Magistrados do Ministério Público do quadro de Inspectores do Ministério Público, de categoria funcional superior ao arguido.

Esta é como bem se compreende sem necessidades de melhores explicações, a primeira garantia de imparcialidade neste tipo de processo ou em qualquer outro.

Depois, o artigo 43º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exerçam Funções Públicas (Lei nº 58/2008 de 09 de Setembro) prevê uma norma que não é taxativa, ou seja, é aberta a outras causas das quais se conclua sem dúvida a suspeição, quais os motivos que podem fundamentar um pedido de suspeição relativamente a qualquer instrutor de um processo disciplinar em geral.
Diz assim:
Artigo 43º (Suspeição do instrutor)
1- O arguido e o participante podem deduzir a suspeição do instrutor do processo disciplinar quando ocorra circunstância por causa da qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção e da rectidão da sua conduta, designadamente:
a)Quando o instrutor tenha sido directa ou indirectamente atingido pela infracção;
b)Quando o instrutor seja parente na linha recta ou até ao 3º grau na linha colateral do arguido, do participante ou de qualquer trabalhador ou particular ofendido ou de alguém que, com os referidos indivíduos, viva em economia comum;
c)Quando esteja pendente processo jurisdicional em que o instrutor e o arguido ou o participante sejam intervenientes;
d)Quando o instrutor seja credor ou devedor do arguido ou do participante ou de algum do seu parente na linha recta ou até ao 3º grau da linha colateral;
e) Quando haja inimizade grave ou grande intimidade entre o arguido e o instrutor ou entre este e o participante ou o ofendido.

Estas são pois as causas que em geral se aplicam a esta matéria.
Contudo a estas, exemplificativas, como decorre da redacção do nº 1 do art. 43º, ora citado, para aqueles Magistrados acrescem as constantes da legislação penal e processual penal, como se viu já, subsidiariamente aplicáveis.

E que regras são estas?

Fundamentalmente, as previstas nos artigos 39º e 40º do Código do Processo Penal que devem ser interpretados dentro de espírito conformador à especificidade do Estatuto e da Lei Geral citados.

Do artigo 39º decorre o impedimento para o cargo nas seguintes situações designadamente, no caso do indicado:
a) Ser ou ter sido cônjuge ou representante legal do arguido, do ofendido, ou pessoa com interesse na causa
b) Ele ou o cônjuge, ou pessoa a viver em condições análogas, for ascendente, descendente, parente até ao 3º grau, tutor ou curador, adoptante ou adoptado do arguido, do ofendido, ou pessoa com interesse na causa
c) Quando já tiver intervindo no processo noutra qualidade
d) Ou conheça factos e possa ser indicado como testemunha

Curiosa é já a apreciação que deve fazer-se nesta sede disciplinar, dos impedimentos consignados no art. 40º do Código do Processo Penal.
Este artigo tem na sua base a ideia de que quem já formou, numa determinada fase, uma opinião ou posição sobre determinados factos, dificilmente a altera, por causa desse inconsciente pré juízo formulado.
A psicologia chama a este factor psicológico de formação de opinião e de decisão e avaliação “ efeito de halo”.

Por causa disto, um Magistrado que já tenha, nomeadamente, aplicado uma medida de coacção a um arguido, presidido ao debate instrutório do processo em causa, ou participado de julgamento anterior, não pode intervir em julgamento, recurso, ou pedido de revisão desse mesmo processo.

O Estatuto do Ministério Público dispõe de uma norma que impede, por exemplo, que um Magistrado seja inspeccionado no seu trabalho pelo mesmo Inspector que o inspeccionara já.
A motivação é idêntica.
Pergunta-se então, academicamente, falando: e num processo disciplinar, poderá um arguido ser objecto de repetidos processos disciplinares instruídos todos sempre pela mesma pessoa, ainda que como legalmente determina o Estatuto, escolhido por sorteio?
Estará uma pessoa que já apreciou designadamente factores de personalidade de um arguido e já formou um juízo a seu respeito capaz de realizar um juízo isento sobre os factores subjectivos inerentes à apreciação da formação da vontade e da culpa de que não prescinde qualquer pena disciplinar?
Parece-nos que não, com todo o respeito pela elevada capacidade de autocrítica e de isenção de qualquer julgador, todos somos seres humanos…
Curiosamente, a ideia não resulta de lei expressa, embora claramente se extraía de uma interpretação sistemática das normas em apreço e nunca vimos, nem conhecemos qualquer projecto por parte do Sindicato dos Senhores Magistrados do Ministério Público no sentido de propor a introdução expressa deste impedimento na respectiva lei estatutária.

Podemos assim deduzir que a avaliação na matéria feita aos mesmos é sempre equilibrada e conforme à Justiça devida.
Ainda bem …