domingo, 28 de junho de 2009

Julieta

Sou testemunha de um crime ...

Sou testemunha de um crime.
Foi assim que a velha Alba se aproximou de Maria em exclamações de monta, sorrisos largos e abertos que entre a expressão ternurenta de mulher que não deixa de ser menina e alguma estupefacção, a abraçou e com ela se sentou, pedindo-lhe que lhe relatasse tão insólita situação.
Alba sentou-se e inspirada na serenidade que o gesto lhe provocara, relatou ao pormenor, o assalto, as características do homem, até a viatura em que escapou às Polícias.
Destas, ria-se perdida, à maneira portuguesa.
Como se estivesse a arbitrar um jogo entre polícia e bandido e a animasse o facto deste se afigurar mais ladino.
As polícias pediram a sua colaboração como testemunha única.
Curiosamente isso desplotava na velha senhora uma sensação de poder que lhe abrilhantava o olhar.
- Conseguiria mesmo identificá-lo, "ti Alba", questionou-a Maria, afagando a cabeleira loira da velha senhora com algum carinho.
- Sem dúvida minha rainha, então estive junto dele ...
- E era um dos que a Polícia lhe mostrou para reconhecimento ?
- Não, nada. Andam eles muito longe ...
E se fosse, não lhes dizia !
- Porquê, estranhou Maria, recordando-lhe deveres de cidadania...
- Minha querida, quando na polícia olhei através daquele vidro, o olhar daqueles homens, ocorreu-me o olhar assustado com que um animal doméstico olha o dono que o vai matar para o consumir como alimento.
Não me viam, mas sabiam que tinha na voz e nos olhos o poder de lhes tirar a liberdade ...
O coração quebrou-se...
- Mas já pensou que esse homem entrou na casa do seu vizinho e lhe furtou coisas em que tinha afecto ?
- Se o identificar vou meia dúzia de vezes à polícia , mais meia ao tribunal, tenho gastos, posso sofrer retaliações, ainda passo eu por mentirosa e o homem sai em liberdade. Ou seja, castigada, sou eu...
Já fiz 66 anos e a vida já me ensinou umas coisas, exclamou evitando o olhar de Maria que é um livro aberto ao que lhe vai na alma nestas ocasiões e que Alba claramente podia ler ...
Testemunhar um crime é um dever de cidadania.
As testemunhas são os olhos do Tribunal no local dos factos e só elas podem abrir caminho a que se faça justiça, como tanto se deseja.
Todas as vezes que uma testemunha vai a tribunal, a sua falta no emprego é justificada e as despesas em que incorra com deslocações podem ser pagas, bastando para isso requerê-lo em simples requerimento ao juiz do processo.
Para casos de criminalidade violenta há uma lei que prevê forma de proteger as testemunhas relativamente aos intervenientes no processo.
Fica depois a sensação de dever cumprido.
Vale sempre a pena viver com honra, de acordo com o que nos dita a consciência.
Não será mesmo preferível uma morte, uma agrura honrosa que uma vida de que nos envergonhemos ?!...
Citando contigo Maria, António Aleixo :
Que importa perder a vida
Em luta contra a traição,
Se a razão mesmo vencida,
Não deixa de ser Razão ?"