sábado, 30 de abril de 2011

Mensagem


Mãe,

Esta é talvez a última carta que te escrevo.
Ambas sabemos que no próximo ano, neste dia que estão sempre a alterar
E que tu sempre fizeste questão de assinalar
Talvez tu já não possas estar aqui…
Enfim, quem sabe, eu também não esteja, concedo …
Sabes mãe, há coisas que sendo sempre o mesmo, se estão sempre alterar.
Não é questão do nome que se lhes chame, e nem de circunstância de tempo ou de lugar.
São coisas que são sempre o que são, porém não sendo:
É sempre o mesmo amor, ainda que te não parecendo,
O que te guardo agora, e o que outrora te colocava ao colo, te enrolava ao pescoço
no laço dos meus pequenos braços.
Eu ainda te amo Mãe, ainda que não parecendo ser esse mesmo amor que se fazia terno e doce ao teu colo, é o mesmo amor que foi crescendo!...
Por isso, não sendo exactamente aquele amor, continua sendo …
Hoje quero falar-te de coisas que nunca te falei.
Lembras-te de reclamar tanto do meu horário de entrada no colégio?
E de já crescida , lamentar-me ainda ver-me pequenina, de inverno ou verão
pronta para a carreira que saía às 07:00h , lá da Dom João ?!...
A farda castanha, mochila na mão, e ainda a lancheira com o meu almoço
e para o lanche sempre o mesmo pão...
Recordo que costumava pensar como não te apiedava tal situação ?
Tantos, tantos dias, de contas em vão, em que noite firme, já lá estava pronta
Para seguir. E então, ocorre lembrar-me que tu que ainda te deitavas
tão mais tarde,
E, antes de mim, todos esses dias me ias preparar
Fresca a refeição, cozias-me o pão que iria levar e era tão mais cedo o teu erguer, o teu despertar.
E era tão mais tarde que o meu, o teu descansar …
Depois lembro o tempo que tu reservavas para me pentear.
E como passavas fio sobre fio, o doce atavio de um belo entrançar,
num cabelo longo e rebelde que o pai insistia em não deixar cortar.
Foram tantos anos nesse madrugar , eu nunca te disse, não te agradeci, mas deu para notar...
As noites de febre que velaste por mim, os dias de sol em que a tua voz
criava canções, feitas só para nós,
Mais tarde aceitar que não ao teu jeito, não queria ser médica, ia para direito.
Lembro-me que nesse verão, o sol na pensão do Rossio era clamor...
De ficares comigo, num quarto reduzido temendo o pior.
Que tentando a admissão, o que tinhas à mão, não chegasse então para habilitar-me
ao grau de doutor.
Recordo que andava contigo e a tia Maria pelo Grandela quando uma chamada nos fez saber
da nova e de tu gritares para que se escutasse em todos os andares , tão teatralmente como se fizeras uma novela:
- “Ela entrou, ela ficou, a minha filha vai estudar direito “, embora o curso em si não te tenha satisfeito...
Eras então tu a gloriosa guerreira que criara pão de um pedaço de mau tempo…
Também não te agradeci, mas sempre me recordo
que procuramos um quarto para alugar junto ao Campo de Santana e nos perdemos
uma da outra em Lisboa e à conta disso carregaste sozinha a nossa bagagem
Para a pequena água furtada aonde fiz primeira morada
E se abriram os pontos da tua cirurgia e lá voltamos a Oncologia à Praça de Espanha
Para resolver a salganhada. Felizmente mãe, essa ainda vencemos, não deu em nada…
Depois tudo já sabes. Guardo no enleio da ternura mais profunda
A primeira vez que me acompanhaste a uma prova oral.
Lembras-te de te “empoleirares” no grande Sebastião Cruz que teve consigo paciência de Jesus,
para explicar que apesar do que eu vomitava, no sentido técnico do termo,tinha só 17 anos. mas houvesse nele paciência e eu já lhe mostraria o quanto havia estudado?
Eu tive 15 valores nessa primeira oral. Desde daí foi sempre adiante como previas, como querias.Lembro-me do teu riso de fonte de água limpa no dia da bênção das fitas.
Lembro-me de te ouvir falar com orgulho de mim.
Lembro-te de te ouvir falar de mim como uma heroína, em segredo, sempre temendo que eu o notasse, porque tu não gostas que se note o teu amor...
E por isso nunca me falavas muito de amor.
Isso, por vezes, causava alguma confusão . Foi até te perceber. Tudo tem tempo, como costumas dizer. E um dia chegou o tempo de perceber.

Para me falares de amor, tu falavas-me em Maria.
Tenho tão viva essa visão que por repetidas vezes me transmitas : não compreendias como é que Maria na qualidade de mãe, fora capaz de ficar perante a dor que infligiram ao seu filho, assistir à sua morte e sobreviver sem morrer de dor. Querias assim que eu compreendesse como era intenso amar na qualidade de mãe e só assim mo sabias demonstrar.
Dizias-me também que Jesus naquele doloroso sofrimento ainda teve a preocupação de consolá-la, dizendo a João que a tomasse como mãe.

Eu não sei bem se todas as coisas são como me disseste que eram.Ainda não chegou o tempo de perceber...

Sei que te amo e que talvez te deva a palavra perdão.

Mas sabes mãe, eu sou real,de carne e osso.
Eu não tenho os super poderes de um Deus, mesmo crucificado.

Por isso perdoa-me se não consigo consolar-te pelos meus golpes ,
Porque não posso aliviar as tuas dores pela minha crucificação e não fui capaz de evitá-la.
No entanto mãe, fica-te JURADO :
ainda que não seja ao 3º dia, eu também ressuscitarei !...

devo-te isso, MÃE, eu sei ...

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